O design de GWENT 2: Balanceamento

Bem-vindos a esta série de artigos sobre o design de GWENT. Regularmente, publicaremos um material sobre os grandes conceitos que compõem GWENT, filosofias de projeto e outros assuntos relacionados. Convidamos a todos nos digam os tópicos que gostariam de ver sendo dissecados nesta coluna!


Desde o início de GWENT, uma de suas principais diferenças com a concorrência foi a disposição de oferecer patches de balanceamento e evoluir suas mecânicas. Hoje vamos nos aprofundar nessas tópicos mensais que ditam o ritmo da vida do jogo e da comunidade, por que e como são feitas.


Antes de tudo, precisamos entrar na tangente e falar sobre “metajogo”. Você já deve ter ouvido falar de “META” como um acrônimo para “Most Efficient Tactics Available” (ou “táticas mais eficientes disponíveis”). Embora seja uma boa explicação, trata-se de um “retrônimo”. Em vez disso, o metajogo é formado pelo prefixo “meta”, do grego “além”. “Interações de metajogo”, por exemplo, são interações com o oponente que ocorrem fora das regras explícitas do jogo, como desmoralizações para perturbar o oponente ou, no GWENT, quando você sinaliza com apenas uma carta na mão na esperança de que o adversário desista, senão aquela última carta não seria o suficiente.

Mais frequentemente, o metajogo usado sozinho se refere à maneira como se joga num momento específico e numa comunidade específica. A primeira parte é bastante óbvia, com o tempo e a maneira como se joga muda à medida que as pessoas encontram novas estratégias, melhoram ou se adaptam a estratégias anteriores, mesmo que o jogo em si não mude.

Para a segunda parte, imagine jogar um jogo de cartas físico ao qual você vai toda semana à sua loja local para jogar. Lá vão 10 a 20 jogadores regulares. Destes, mais da metade são jogadores casuais atraídos por estratégias chamativas, um quarto são de jogadores competitivos e o restante é de pessoas que querem experimentar e fazer um baralho específico funcionar a todo custo. Você poderia jogar com um baralho “ideal” derivado de discussões na internet nos últimos torneios internacionais, mas só obteria os melhores resultados caso se adaptasse ao ambiente específico em que se encontra. Por exemplo: levar um baralho amplo de propósito porque o Zeca tem uma adoração doentia pelo Geralt de Rívia e outras remoções altas. Jogar uma estratégia abaixo da ideal por trazer os melhores resultados numa situação específica é o que, coincidentemente, Frank Lantz chama de “Donkeyspace”.

O fato é que, embora a expansão e a ausência de limites que a internet oferece (especialmente quando a organização de partidas automática está disponível) tendam a suavizar o efeito nos jogos digitais, esse fenômeno ainda ocorre. Um dos melhores exemplos disso foram os primeiros torneios internacionais de League of Legends. Por jogarem em servidores diferentes, as comunidades europeia e americana desenvolveram metajogos muito diferentes, com funções diversas que favorecem diferentes campeões. Os resultados desses confrontos iniciais resultaram na predominância do modo europeu, o que acabou levando a uma harmonização de padrões entre as regiões. Ainda o que é muito interessante é como duas comunidades de mesmo idioma (inglês) e até mesmos locais de discussão (Reddit, o fórum do jogo etc.) conseguiram divergir tanto na maneira de jogar.

Outro exemplo é a forma com que a inteligência artificial da rede neural OpenAI joga DotA: longe do clássico metajogo MOBA de ter diferentes funções com diferentes prioridades em relação à renda, ela jogava de maneira fluída e centrada no objetivo, espalhando moedas uniformemente entre os diferentes jogadores para que todos pudessem ser eficientes nas lutas. Embora esses resultados sejam reduzidos pela incrível coordenação da inteligência artificial e do viés de desenvolvimento que pode impedir que o metajogo como o jogado pelos jogadores apareça devido aos enormes passos evolutivos que isso exigiria, ainda temos a questão: como está vencendo, será que a IA joga da maneira correta? Afinal, a tendência da rede neuronal de Starcraft II, a IA AlphaStar, de sobrecarregar as bases com trabalhadores (para torná-las mais resistentes a ataques ao custo de uma eficiência decrescente) chegou às cartilhas dos jogadores.

O que quero destacar aqui é um elemento crucial dos metajogos: eles dependem da subjetividade dos jogadores. O metajogo é feito de percepções dos jogadores, uma mistura de influências do seu adversário, da comunidade em que participam, dos jogadores que os influenciam, o que eles gostam de jogar etc. O estado objetivo do jogo, é claro, tem uma influência sobre isso, mas o metajogo sempre será no máximo uma interpretação de como melhor jogar o jogo. As populações na internet também estão mais divididas do que o esperado. Diferentes ranques, fusos horários e hábitos afetam fortemente a população de jogadores que se pode encontrar ao entrar na fila. Quanto às opiniões sobre o jogo, as barreiras linguísticas e também os streamers a que se pode assistir ou os locais de discussão a que se pode frequentar também têm grande influência. Os relatórios meta são um bom exemplo, as listas de baralhos e as opiniões variam, embora os jogadores que os fazem sejam de comunidades relativamente semelhantes.


Esta longa introdução me leva ao “porquê”: o objetivo de fazer patches de balanceamento é tornar o jogo mais agradável. Para isso, o balanceamento é um meio, mas não um fim.

Normalmente, a maneira mais fácil de trazer equilíbrio é pela simetria: se todos os jogadores tiverem acesso às mesmas opções o tempo todo, não haveria preocupação com o equilíbrio. No entanto, a popularidade da jogabilidade assimétrica prova o interesse que existe em explorar diferentes opções e a rejogabilidade que ela oferece, embora o custo seja tentar o equilíbrio num terreno cada vez mais inclinado.

Outro ponto é que o balanceamento não dá necessariamente informações sobre a jogabilidade. Imagine um meta com três baralhos em uma relação absoluta de pedra-papel-tesoura. Embora o jogo seja equilibrado do ponto de vista das chances médias de vitória, a jogabilidade seria bastante insatisfatória se o jogador soubesse com toda certeza desde o início da partida se venceria ou perderia. Em vez disso, temos de tentar reduzir a polaridade em todas as partidas para que elas pareçam “justas” em um grau razoável, embora seja dificílimo cobrir todos os casos. Mesmo em uma partida justa, não se pode garantir que a jogabilidade seja satisfatória. Vencer pode não ser satisfatório se o jogador sentir que não teve uma opinião sobre como foi a partida, assim como perder ainda pode ser bom em uma partida tensa. Este é normalmente o tipo de problema que alguns jogadores tiveram com o antigo Bruxo Víbora Alquimista (ou melhor, sua acessibilidade em Gorthur Gvaed), já que a carta não era necessariamente forte em média, mas poderia parecer bastante frustrante para eles.

Assim, no mais das vezes, o que nos preocupa mesmo é a percepção dos jogadores e as mudanças que podem afetá-la. Por exemplo: digamos que havia um jogo com uma opção muito fortalecida aparentemente por meio de dados, mas que a comunidade percebeu que era fraca. Atenuá-la provavelmente provocaria a surpresa e a descrença da referida comunidade. Na verdade, muitas vezes vemos discrepâncias entre nossos dados e a percepção dos jogadores do que é forte e fraco, embora o tópico do uso de dados no balanceamento seja complexo e merecesse um artigo próprio.


A opção de fazer o balanceamento nem é óbvia por si só. Se os desenvolvedores intervierem toda vez que uma comunidade não estiver feliz com algo, a comunidade talvez fique menos disposta a se adaptar e encontrar respostas para o estado em que o jogo se encontra. Às vezes, dar tempo a algo é suficiente para ver seu impacto e sua percepção mudarem à medida que os jogadores encontram novas estratégias e chegam a um melhor entendimento (um de nossos erros mais famosos a esse respeito foi o bônus do Bruxo Víbora Mentor no patch 8.2 que, devido ao atraso inerente entre o bloqueio e a entrega do patch, chegou 10 dias depois que o baralho finalmente foi descoberto).

O desejo por patches de equilíbrio menos frequentes não é uma opinião rara entre os jogadores, especialmente na comunidade de jogos de luta, onde eles são historicamente muito distantes e podem ter consequências devastadoras no sentimento em relação a um personagem ou como se deve jogar com ele. É claro que existem diferenças entre jogos de luta e jogos de cartas. Uma boa regra geral é que, quanto mais o jogador agencia as ofertas do jogo (ou seja, quanto mais o resultado do jogo varia conforme as decisões dos jogadores), mais eles são capazes de se adaptar e, como tal, mais tempo é necessário para explorar o equilíbrio do jogo.

De maneira mais ampla, um jogo que muda rápido demais pode sobrecarregar os jogadores, mas um jogo que muda muito lentamente pode ser chato. Claro, essa percepção de rápido e lento é totalmente diferente de um jogador para outro, dificultando o equilíbrio.


O que me leva ao meu próximo tópico: comunidades não são blocos únicos. Na mesma comunidade, opiniões totalmente opostas geralmente são expressas, o que dificulta para os desenvolvedores distinguirem uma “verdade” única (porque geralmente não existem e as coisas são sempre mais sutis). Até quando parece haver consenso na comunidade, pode ser difícil mensurar o quanto da comunidade realmente concorda com essa opinião. É previsível que as pessoas tendem a falar mais quando estão insatisfeitas. Assim, embora as reclamações sobre uma coisa específica possam representar a visão da comunidade até certo ponto e até influenciar a percepção de outros membros da comunidade, geralmente existem pessoas que acreditam que a mesma coisa não representa problema, mas não sentem a necessidade de expressá-lo. Muitas vezes, abordar uma reclamação de balanceamento tende a fazer surgir a opinião oposta, com jogadores insatisfeitos por causa de alterações em algo que estavam jogando e gostando.

Isso levanta a questão: se um baralho ou uma facção é desprezada por uma parte da comunidade (olá, Nilfgaard!), mas amada por outra, devemos tratar o assunto? Às vezes, a resposta é óbvia: uma carta poderosa pode ser divertida de jogar, mas todos concordam que isso piora o jogo. Mas pode ser uma decisão muito difícil de fazer em outras situações, especialmente porque a abordagem de maximizar o contentamento pode acabar deixando todos meio insatisfeitos, como às vezes se discute em filosofia.


Quando se está irritado com um baralho ou estratégia específica, é importante lembrar que provavelmente também existem jogadores que gostam de jogá-la. É por isso que nossa abordagem de atenuação tenta ser não destrutiva — esse procedimento sempre deixará algumas pessoas infelizes, mas, se o baralho acabar desaparecendo, também prejudicamos a diversidade do jogo.

No entanto, nem sempre conseguimos alcançar isso, especialmente porque tendemos a sofrer do “viés de atenuação”. As mudanças são percebidas mais fortemente do que o estado real das coisas, portanto uma carta que recebeu uma atenuação importante pode ser abandonada mesmo que ainda seja muito boa (League of Legends teve até casos de anunciar uma atenuação para um campeão e esquecerem de incluí-la, mas verem a taxa de uso do campeão e a taxa de vitórias reduzirem mesmo assim). Pode demorar um pouco até os jogadores começarem a experimentá-lo novamente e “redescobri-lo”. Por exemplo: Viy desapareceu após as atenuações no 8.2, mas acabou ressurgindo aos poucos dois meses depois.

O contrário também pode acontecer de forma interessante. Uma atenuação notadamente ineficaz tende a ser desconsiderada e não afeta a taxa de jogo de uma carta, mesmo afetando a taxa de vitórias. Mudanças no recrutamento são um bom exemplo disso: embora uma carta que fique mais cara tenda a ser descartada porque “só precisa rebaixar uma carta de bronze”, isso significa que o baralho está enfraquecido em alguns cenários. Em longo prazo, isso equivale a uma perda de alguns pontos percentuais, o que pode significar muito num ambiente onde são necessários apenas cerca de 5 ou 6 pontos percentuais acima de 50 para uma carta ser considerado muito boa. Mas estas são apenas estatísticas e não influenciam muito a percepção do jogador.

Ao mesmo tempo, tivemos muitos exemplos anteriores de mudanças de disposições singulares com impactos marcantes: o bônus de Maxii Van Dekkar no 8.2 fez com que a carta deixasse de ser considerada algo inócuo para um ícone dos baralhos competitivos; a atenuação de Eist Tuirseach no 9.0 levou ao desaparecimento de baralhos de guerreiros etc. 

Bolada também é um caso interessante. Após sua reformulação no 9.0, estava com 16 de recrutamento e dominou a facção. Uma atenuação de 1 de recrutamento no 9.1 afetou a carta, mas ela continuou dominante e praticamente desapareceu após uma atenuação de 2 de recrutamento no 9.2. No entanto, ressurgiu no 9.4 após a atenuação de Perfura-túnel e acabou assumindo a facção novamente. O impacto discreto que Price of Power teve no Sindicato na época mostrou o quanto evoluiu a percepção em torno dessa habilidade de líder. Daí vem a questão: se tivesse sido lançado em 13 ou mesmo 12 recrutamentos imediatamente, teria ocorrido o mesmo?

Tentar prever o efeito das mudanças num sistema todo interligado já é uma tarefa difícil, mas levar em conta a percepção dos jogadores deixa tudo ainda mais difícil.


Se pequenas atenuações podem facilmente desencadear grandes mudanças de percepção, aprendemos que os bônus tendem a ser exatamente o oposto. Ao atenuar um baralho, os jogadores geralmente têm uma ideia de sua força desde que foi jogado e, como tal, é possível projetar-se no impacto da atenuação. Porém, como os bônus geralmente acontecem em arquétipos pouco ou nada jogados, o estado atual é bem mais desconhecido. Descobrir se vale a pena jogar algumas cartas após um bônus requer tempo e dedicação, portanto é compreensível que a maioria dos jogadores não se preocupe se os bônus não os afetam.

Esse é o motivo da nossa recente orientação de disponibilizar bônus como foco de arquétipo. Essa maneira de trabalhar nos permite produzir alterações mais ambiciosas, mas o mais importante é que o agrupamento desses bônus e mudanças dessa forma faz com que os jogadores se sintam mais animados para experimentar por causa do fator novidade. Isso leva uma boa parte da base de jogadores experimentar os arquétipos em foco. Mesmo que eles os achem muito fracos em longo prazo, ainda entraram no radar geral e nos forneceram ótimas informações para melhorar ainda mais seu estado no futuro. Essa abordagem, no entanto, às vezes nos leva a atrasar os bônus merecidos para disponibilizá-los num momento que julgarmos ser mais emocionantes e impactantes.


Para finalizar este artigo sobre balanceamento e percepção dos jogadores, acho importante lembrar que a contabilização da percepção dos jogadores não significa necessariamente que a comunidade esteja “certa”. Ao longo do artigo, dei vários exemplos de como a percepção de uma comunidade sobre o jogo pode ser tendenciosa, mas quero falar sobre um princípio de modelo mais amplo: os usuários são muito bons em identificar como se sentem, mas geralmente não identificam bem a causa e dão soluções indesejáveis, o que é bastante compreensível. Esse tipo de análise é complexa e também nem sempre acertamos, daí a importância da dúvida no design.

Provavelmente um dos exemplos mais famosos desse princípio nos videogames foi como o Thompson do lado Aliado em Wolfenstein: Enemy Territory foi considerado melhor que seu equivalente do Eixo e deveria ser sido atenuado, mesmo que o jogo fosse realmente simétrico. Havia até dados que apoiavam o fato — jogadores que tinham melhor desempenho com ele. Os desenvolvedores acabaram identificando parte do problema: o efeito sonoro mais robusto do Thompson. Ele fazia com que a arma parecesse mais forte e, por isso, os jogadores jogavam com mais confiança e apresentavam melhor desempenho. Um ajuste nos efeitos sonoros resolveu o problema.

Assim, em GWENT, muitas vezes vemos sugestões inadequadas para resolver o problema em questão ou que criam mais problemas por si só. Por exemplo, após o lançamento de Milva: Atiradora de Elite na versão 9.6, uma sugestão comum era bloqueá-la atrás de Devoção. Isso apresentava vários problemas, pois respondia apenas a alguns dos baralhos em que a carta aparecia (e não necessariamente o mais forte), restringia fortemente a diversidade de baralhos em que a carta poderia ser jogada (o que não era o que desejávamos para ela) e não resolveria a percepção quando confrontada, pois a condição de Devoção tende a ser desconsiderada pelos jogadores (um assunto que abordaremos outra hora).

Outros exemplos são sugestões de como melhorar as ferramentas de controle para Caçada Selvagem, Anões ou Congregar, dar Purificar a todas as facções etc. Embora isso ajude mesmo os arquétipos em curto prazo, acreditamos que é muito importante preservar a identidade das facções/arquétipos, fornecendo diferentes pontos fracos e maneiras de jogar — equilibrados com os pontos fortes adequados, é claro. Historicamente, não temos sido os melhores nisso. O design mais antigo geralmente usa padrões entre facções que davam acesso geral a ferramentas semelhantes, mas é algo em que estamos trabalhando, pois acreditamos que o jogo é mais interessante com uma ampla variedade de identidades de baralho, embora isso dificulte o processo de construir adequadamente um arquétipo e exija que repensemos continuamente a sua identidade.


Além dos princípios de design desenvolvidos neste artigo, isso explica por que nem sempre seguimos o caminho direto para equilibrar uma carta. Em meio a opiniões diversas e conflitantes, temos que identificar quando — e como — devemos fazer mudanças e quando devemos acreditar em nossas opiniões, com o objetivo de que o jogo seja o melhor possível.

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